Mandado de Segurança e Obrigações Tributárias de Trato Sucessivo: interpretação contemporânea e efeitos práticos
- Patrick Pelucio
- 3 de out.
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1. O que são tributos de trato sucessivo
Antes de avançar à jurisprudência, é fundamental entender o conceito. Tributos de trato sucessivo (ou tributos periódicos) são aqueles cuja obrigação tributária se renova de forma contínua e automática, por intervalos definidos (normalmente mensais). Ou seja: mesmo após um pagamento ou cobrança, o tributo “ressurge” no próximo período fiscal, pois cada competência configura novo fato gerador. Exemplos clássicos: ISS municipal, ICMS (em muitos casos), PIS/COFINS, ou contribuições previdenciárias. A renovação constante da obrigação distingue-os dos tributos de “exação única” (por exemplo, IPTU único, imposto de transmissão etc.).
Esse caráter sucessivo implica que, para fins de controle e contestação, cada novo lançamento tributário pode gerar uma nova lesão potencial ao contribuinte — elevando a relevância de instrumentos como o mandado de segurança.
2. O novo entendimento do STJ sobre mandado de segurança em tributos periódicos
Recentemente, a 1ª Seção do STJ fixou jurisprudência vinculante no Tema 1273, estabelecendo que o prazo decadencial de 120 dias do art. 23 da Lei 12.016/2009 não se aplica para ações de mandado de segurança que objetivam impugnar obrigações tributárias de trato sucessivo. Em outras palavras: se o tributo for periódico, não se considera que o direito de contestar “caducou” por decorrência do prazo legal.
Esse entendimento acolhe que a lesão é contínua — cada novo período tributável permite o uso do remédio constitucional. Assim, empresas podem impetrar mandado de segurança para evitar cobrança futura de tributos ou questionar a legalidade de cláusulas normativas que impactem suas obrigações regulares.
3. Mandado de segurança: natureza e limites
Antes de sair propondo mandado de segurança indiscriminadamente, é essencial respeitar seus contornos legais:
O mandado é instrumento preventivo ou repressivo, de caráter declaratório, e não pode ser usado como substituto para ação de cobrança. Ou seja, não admite condenação em espécie para restituição indiscriminada via precatórios ou execuções monetárias. A jurisprudência e a Súmula 460/STJ reforçam que não cabe ao mandado de segurança convalidar compensações já feitas unilateralmente pelo contribuinte.
O mandado é adequado para declarar que há direito ao uso da compensação tributária, afastando formalismos ou requisitos administrativos impugnáveis. O reconhecimento do crédito (quantia exata) cabe à Administração Tributária.
A ação exige direito líquido e certo — ou seja, condição de prova pré-constituída suficiente para demonstrar exigência indevida ou ilegalidade clara do ato.
4. Efeitos práticos para contribuintes
Diante desse novo cenário jurisprudencial, contribuintes e escritórios tributários devem considerar:
Mandado preventivo como estratégia principal: impetrar antes que o lançamento ou cobrança ocorra para blindar-se de obrigações inseguras.
Revisão de obrigações normativas que criem encargos ou elevação de base tributável — especialmente leis, decretos ou portarias que instituem tributos periódicos ou taxas contínuas.
Reabrir ações declaratórias ou mandados antigos que foram indeferidos por decadência argumentando nova interpretação do STJ.
Atenção ao cálculo de limites prescricionais: embora o mandado não esteja submetido ao prazo de decadência, ele ainda deve respeitar o prazo prescricional (normalmente cinco anos) para créditos tributários.
Interposição fundamentada: enfatizar a natureza sucessiva, demonstrar a ocorrência de ato coercitivo e provar o “justo receio” de lesão futura.
5. Conclusão
Para quem atua no contencioso tributário, o reconhecimento pelo STJ de que obrigações tributárias periódicas permitem mandado de segurança sem prazo decadencial é transformação estratégica. Amplia-se a margem de tempo para ação e fortalece-se a via judicial como mecanismo de contestação administrativa. Porém, operar nesse ambiente exige rigor técnico: peça correta, fundamentação robusta e atenção absoluta aos limites desse remédio constitucional.




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