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Planejamento tributário legítimo vs elisão abusiva: o cerco do governo e os riscos para quem produz

  • Patrick Pelucio
  • 20 de out.
  • 4 min de leitura

Por Patrick de Pelucio


Planejamento tributário legítimo vs elisão abusiva: o cerco do governo e os riscos para quem produz

No Brasil, existe uma fronteira tênue — e cada vez mais confusa — entre planejar para pagar menos imposto e ser acusado de simular para sonegar.


O problema é que, em vez de fortalecer regras claras, o governo vem estreitando essa linha, tratando o empresário que busca eficiência tributária como um potencial infrator.


O resultado?Empresas que tentam agir dentro da lei passam a viver sob insegurança jurídica permanente, sem saber se a estrutura que adotaram será considerada planejamento legítimo ou elisão abusiva daqui a seis meses.



O que é planejamento tributário legítimo


Planejamento tributário é o conjunto de estratégias legais para reduzir ou adiar a carga tributária, de forma previsível e transparente, antes que o fato gerador ocorra.


Exemplo simples: escolher o regime tributário mais adequado (Lucro Real, Presumido ou Simples Nacional), criar uma holding patrimonial para separar bens pessoais e empresariais, ou antecipar despesas dedutíveis dentro dos limites legais.


Em todos esses casos, há finalidade econômica real e respeito à lei. O Fisco pode não gostar, mas não pode punir quem usa as regras a seu favor. Aliás, o planejamento é um direito constitucional, ligado ao princípio da livre iniciativa e da eficiência empresarial.



O que é elisão abusiva (ou planejamento artificial)


A elisão abusiva ocorre quando uma operação é estruturada apenas para reduzir imposto, sem propósito negocial legítimo ou substância econômica.


Na prática, o governo tem usado esse conceito para atacar operações como:


  • criação de empresas de fachada sem atividade real, apenas para usufruir de regimes tributários mais leves;

  • reorganizações societárias simuladas (cisões, incorporações, fusões) com o único objetivo de evitar tributos;

  • interposição de pessoas físicas ou jurídicas para mascarar a titularidade de renda;

  • ou planejamentos patrimoniais “de papel”, usados para fugir de ITCMD, IR ou contribuição sobre ganho de capital.


O problema é que o conceito de “abuso” é subjetivo. O que hoje é aceito, amanhã pode ser questionado.E isso cria um ambiente onde o empresário pode fazer tudo certo — e ainda assim ser autuado.



O papel da jurisprudência e o avanço do Estado sobre o contribuinte


A base legal para o combate à elisão abusiva está no artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN), incluído pela Lei Complementar nº 104/2001. Ele permite à autoridade fiscal “desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador”.


Na teoria, seria um instrumento de combate à fraude. Na prática, virou uma cláusula aberta, que permite à Receita reinterpretar operações legítimas com base em “intenção”.


Nos últimos anos, o CARF e o STJ têm confirmado autuações baseadas em “propósito negocial”, conceito subjetivo e perigoso.O caso Gerdau (2018) e o julgamento do Tema 1.092/STJ (2023) consolidaram a tendência de que, sem demonstração de finalidade econômica real, a operação pode ser desconsiderada.


Isso coloca o empresário em um limbo:


"Se eu não planejo, pago mais imposto do que deveria. Se planejo, corro o risco de o governo dizer que abusei da lei."


O impacto da reforma tributária: o cerco vai se fechar ainda mais


A reforma tributária de 2026 trará novas regras com IBS e CBS, baseadas em crédito financeiro e operações em tempo real.


Isso significa que a fiscalização será 100% digital, com cruzamento de dados entre NF-e, contabilidade e declarações.


Na prática, planejamentos baseados em lacunas operacionais ou interpretações criativas de crédito vão desaparecer. O Fisco passará a monitorar transações em tempo real, e qualquer inconsistência entre contabilidade, ERP e NF-e será detectada automaticamente.


Mas isso não é o problema maior. O maior risco é que, sob o discurso da “simplificação”, o Estado amplie o poder de desconsiderar atos empresariais sob alegação de “elisão abusiva digital”.


Ou seja: menos liberdade para planejar, mais espaço para punir.



Como agir dentro da lei — e se proteger


  1. Documente a substância econômica de cada operação.– Mostre o propósito real: eficiência, reorganização, proteção patrimonial, fluxo de caixa.– Evite estruturas sem atividade operacional ou funcionalidade comprovável.

  2. Crie governança tributária interna.– Planejar não é tarefa só do contador; envolve jurídico, financeiro e societário.– Mantenha atas, contratos e pareceres que sustentem a lógica do planejamento.

  3. Evite soluções “milagrosas” e promessas de carga zero.– O mercado está cheio de pseudo-consultores oferecendo “engenharias fiscais”.– Lembre-se: se parece bom demais para ser verdade, é porque é.

  4. Integre contabilidade, fiscal e jurídico.– A melhor defesa é a coerência entre o balanço, o contrato e a execução.– Desalinhamento é o primeiro sinal de artificialidade.

  5. Atualize-se sobre jurisprudência.– Acompanhe decisões do CARF, STJ e STF sobre elisão.– Planejar é um ato técnico — e requer base legal sólida e atualizada.



Minha opinião


Eu defendo o direito de pagar o menor imposto possível dentro da lei. Não é imoral, é racional.


Mas o problema é que o sistema brasileiro criminaliza a eficiência.


Enquanto o Estado desperdiça recursos, o contribuinte é tratado como suspeito por tentar equilibrar a carga.


O discurso de “combater a elisão abusiva” serve, na prática, para aumentar o poder arrecadatório e enfraquecer o planejamento legítimo.


A instabilidade das regras e a subjetividade das interpretações criam um ambiente hostil ao investimento. Ninguém planeja a longo prazo quando o próprio governo muda as regras no meio do jogo.


Por isso, defendo que o empresário planeje, sim — mas com inteligência, governança e respaldo técnico. Planejar não é crime. Crime é punir quem tenta ser eficiente num sistema que premia a ineficiência.



Conclusão: o verdadeiro limite está na transparência


O limite entre planejamento legítimo e elisão abusiva não está na “intenção”, está na prova documental, na coerência e na transparência.


Quem estrutura com propósito, formaliza corretamente e mantém substância operacional não precisa temer o Fisco.


Planejar é proteger o negócio.E num país onde o governo cobra como se todos fossem culpados, a melhor defesa é a organização e o conhecimento técnico.

 
 
 

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